Sol e Lua

                Findava-se o dia. O crepúsculo e o último coro dos pássaros anunciavam a inversão de papéis entre o Sol e a Lua. As casas começavam a se tornar estrelas da Terra, ao se iluminarem, a extravasar a luz pelas janelas. Em um lar, ouvia-se o diálogo:

                - Minha querida, come um pouquinho! Só mais essa colherada!
                - Não!
                - Por favor, você não comeu nada!
                - Água!
                - Então toma água. Mas vai comer um pouco também, né?

                A resposta vinha na expressão de desagrado. A outra sorria, paciente, achando um pouco de graça.

                E o tempo passava naquela discussão rotineira. Levariam alguns minutos para que os ânimos fossem acalmados.

                Passava das oito e meia, era hora de dormir.

                Como em todas as noites, a prosa entre as duas se fazia presente.

                - Agora, a mamãe vai dormir...
                - Vai.
                - Eu te amo muito, você sabe disso, não é, meu amor? Você é minha paixão, eu amo conversar com você!

                Um sorriso confuso tomava o rosto da amada. E a outra continuava:

                - "Mãezinha querida do meu coração..."

                Juntas, diziam as palavras combinadas:

                - "Titica de gato, tutu de... feijão!"

                Novamente, aquele sorriso afetuoso inundava os dois corações e todo o ambiente.

                Ao invés de fechar os olhos para dormir, a mãe mandava beijos e abraçava muito sua filha. Tentava expressar todo o seu amor e gratidão pelos gestos gentis. Por um instante, porém, a mãe conseguiu proferir mais palavras:

                - Você é a minha mãe!
                - Não, mãe, eu sou a sua filha...
                - Não, não! Você é a minha mãe!
                - Tudo bem então - sorria - eu vou ser sua mãe, pode ser?
                - Graças a Deus...

                A assistida ouvia aquilo com um olhar de contentamento. Estava tranquila sob os cuidados da filha-mãe.

                E o piscar foi ficando pesado; os bocejos, contínuos...


                Era hora de repousar e aguardar o próximo dia, quando a aurora prenunciasse a troca de papéis novamente.


Agradecimento especial à Ana Heloisa Arnaut, proprietária da página Alzheimer - Minha mãe tem, pelo apoio e inspiração através da sua trajetória nos cuidados carinhosos com sua mãe portadora de Alzheimer.

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