O cheiro de quilos de comida pronta dançava no ar. Pessoas subiam e desciam o jogo de escadas para escolher uma mesa e pedir o que comer. Passavam longos minutos encarando o cardápio de 10 cheias páginas com o objetivo de escolher apenas um ou dois pratos. É nessas ocasiões que se observam os mais variados rituais e negociações de escolha entre membros de uma mesma família. Crianças versus pais, marido versus esposa e filhos, meninos versus meninas... Até que, enfim, chamam o garçom, que anota o pedido e, muitas das vezes, rabisca a caderneta após uma mudança repentina na opção.
Eram famílias, amigos, alguns até sozinhos. Correria entre as mesas e cadeiras, o tinir de talheres, copos e bandejas, o sabor de bifes e cervejas. Tudo muito acolhedor, quente, confortável, saboroso... Exceto para ela. Jogada na metade dos degraus da entrada, em meio a passos e poeira, aguardava alguma boa alma que a desse de comer. Suja, sozinha, faminta. Enojava, com a sua presença, os que chegavam, talvez nem fosse pelo mau cheiro.
Notada senão pelos gritos e rosnados, almejava a apenas algo mastigável para encher a barriga.
Uns até jogavam algumas moedas em sua direção, todavia parecia não as ver. Decerto não haveria serventia para elas. O que faria com pedaços de metal?
Quando o incômodo fazia-se insuportável, davam-na de comer os restos daqueles que já riam e mergulhavam em prazer e moleza bem depois dos rituais de escolhas. Era tratada com o que quiçá saciaria sua fome. Pratos era raspados sobre um pedaço de papelão velho, o qual serviria de recipiente para o seu mastigável dejeto. Nojento a todos, menos a ela, pois não era a primeira vez, nem seria a última. Tornara-se corriqueira a situação.
Foi-se embora.
Agora, apenas esperava o clamor do próximo ronco de seu estômago para voltar ao lugar.
Percebeu-se sua ausência no momento em que a escada fluía melhor e alguns grãos de arroz estavam jogados ao chão. Aos que passavam, era certo que algum animal fora alimentado ali, explicação dada inclusive a algumas crianças encapotadas em peles exóticas e mastigando do mais caro e fino dos chocolates.
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